Sem crédito, migração para o modelo de gestação coletiva não sai do papel, diz pesquisador

Suinocultura Industrial

Sem a criação de uma linha de crédito específica, a migração do modelo atual para o sistema de gestação coletiva não sai do papel no Brasil. A opinião é do médico veterinário e diretor da BRNova Glauber Machado. Para ele, cabe aos órgãos públicos - com o Ministério da Agricultura e agentes repassadores de crédito à frente - juntamente com a cadeia produtiva suinícola, viabilizar a criação de uma linha de financiamento especifica para tal fim. "Se a conta ficar somente para o produtor dificilmente essa migração vai acontecer", afirma Machado.

Para o especialista, o grande desafio para a abolição do uso de gaiolas na etapa de gestação no País está no alto custo do investimento necessário para a conversão. Segundo Machado, a suinocultura brasileira ostenta índices de produtividade excelentes no sistema confinado. Por conta disso, o apelo à adesão ao modelo de gestação coletiva estaria muito mais ligado ao atendimento de uma tendência mundial (e às potenciais questões mercadológicas decorrentes dela), do que propriamente a melhoria do desempenho zootécnico do rebanho. "Para o produtor se mobilizar para a adoção do modelo de gestação coletiva numa granja que já é altamente eficiente a motivação tem que estar associada a uma facilidade em termos de crédito. Caso contrário diminui muito a motivação para um produtor que já corre tantos riscos como é o caso do suinocultor", avalia.

Um dos palestrantes da última edição da Jornada de Conhecimento e Tecnologia, evento promovido pela Associação Paulista de Criadores de Suínos (APCS), Glauber Machado gentilmente atendeu a reportagem de Suinocultura Industrial. Abaixo você confere suas principais considerações sobre um dos mais atuais da suinocultura brasileira.

Suinocultura Industrial - Liderados pela BRF, maior produtora de carne suína do País, a suinocultura brasileira deu um passo decisivo para alinhar-se a uma das principais tendências da atividade suinícola mundial na área de bem-estar animal que é abolição das gaiolas individuais na etapa de gestação. Como o sr. vê essa iniciativa? Já era mesmo hora do setor adotar essa postura?

Glauber Machado - Sim, era hora de pelo menos o País definir um posicionamento em relação a esse sistema de produção. Essa já uma realidade na maior parte dos países onde a suinocultura é desenvolvida. E esse movimento, na verdade, começou a uns cinco anos atrás aqui no Brasil com a iniciativa de alguns produtores independentes que apostaram na ideia, importaram a tecnologia e criaram a experiência. Isso se multiplicou em outras granjas, também independentes, e embora não seja uma proporção significativa para a suinocultura brasileira, esses produtores dominaram a técnica e difundiram essa tecnologia no Brasil. E agora, mais recentemente, alguns grupos anunciaram a intenção de converter os seus sistemas para o alojamento coletivo em longo prazo. Este é um momento para o Brasil discutir esse assunto, até para que não sejam criadas normativas que sejam impostas e que estejam muito distantes da realidade prática de produção. O mais importante agora é que o País discuta o modelo e como ele vai se posicionar e convergir para as técnicas de bem-estar animal em longo prazo.

SI - Sob o ponto de vista do bem-estar animal, os benefícios da adoção do modelo da gestação coletiva são inegáveis. Mas há uma certa controvérsia em relação à melhora dos índices de produtividade. O argumento é que não há estudo sobre a realidade brasileira. Qual sua posição sobre o assunto?

GM - No Brasil, de fato, não há estudos. Mas há experiências práticas muito claras comprovando que é possível sim ter desempenhos iguais ou superiores. A ideia de migração para o sistema de bem-estar, falando especificamente de gestação coletiva e sistemas automatizados, não é a melhoria do desempenho zootécnico. A melhoria do desempenho zootécnico é uma oportunidade que se tem ao migrar para o sistema e usar alguns artifícios que a tecnologia permite. Existem as granjas que atendem perfeitamente as normativas de bem-estar animal sem essas estações eletrônicas de alimentação. Mas as estações eletrônicas representam uma oportunidade de manter o sistema coletivo e agregar tecnologia. Mas o apelo maior do sistema não é exatamente o aumento do desempenho zootécnico. Existem trabalhos científicos no mundo inteiro comparando diferentes sistemas e os resultados são os mais variados possíveis porque trata-se de uma questão multifatorial. É um grande número de fatores que determina se o produtor vai ter sucesso ou não.

SI - O senhor acredita que no Brasil a adesão ao modelo de gestação coletiva vai se dar de forma natural ou será necessário realizar uma normatização?

GM - Ela começa de uma forma natural, mas obviamente numa escala pequena em função do investimento e também porque vivemos num País em que o acesso ao capital para investimento de longo prazo, a um custo financeiro razoável, é muito limitado quando comparado com outros países. Como não existe política de crédito para essa área, ainda não está formatada, a adesão ao sistema que envolve aporte de capital e investimento em granjas que já existem sempre vai ser lenta. Não que a cadeia produtiva dependa de uma normativa, mas ela vai ser importante para criar um arcabouço do ponto de vista de crédito rural específico para os modelos de bem-estar animal que permitam aos produtores migrarem. Já para as novas granjas, para os investimentos novos do setor, dificilmente vai se encontrar um novo grande projeto no Brasil que não coloque em pauta a adoção desse sistema de bem-estar.

SI - A BRF no comunicado que emitiu se comprometendo a abolir paulatinamente o uso de gaiolas de gestação ressaltou que a transição "depende de obtenção de condições favoráveis de financiamento aos produtores ligados à empresa". O senhor acredita que esse é um indício de que a "conta" pode ficar somente para o suinocultor?

GM - Se a conta ficar somente para o suinocultor dificilmente vai acontecer essa migração. Não é justo e o produtor não consegue pagar isso sozinho. É importante que os órgãos públicos, principalmente os agentes repassadores de crédito, façam parte dessa discussão e entendam que isso é uma diretriz importante para a suinocultura global e, consequentemente nacional, e com isso se posicionem com relação à criação de linhas de crédito específicas, seja aproveitando o conceito do Inovagro, seja aproveitando outros conceitos ou mesmo criando novos conceitos. Essa discussão já existe em âmbito federal, mas certamente vai ser importante como um elemento fundamental para permitir que os produtores migrem sob a imposição de uma normativa ou não.

SI - Na opinião do senhor, quais os principais desafios dos produtores brasileiros para a transição do modelo atual para o de gestação coletiva no País?

GM - O principal desafio para as granjas que já existem é o investimento para a conversão para esse sistema. A suinocultura brasileira tem índices de produtividade excelentes, comparáveis aos índices das principais granjas da suinocultura mundial, muitas vezes até superiores, tem um perfil sanitário ainda privilegiado, e desempenhos zootécnicos muito bons dentro do sistema confinado. Por isso que o apelo maior dentro do sistema de gestação coletiva e bem-estar não é o desempenho zootécnico; é a tendência em relação ao assunto e as questões mercadológicas envolvidas e os princípios por trás disso. Para o produtor se mobilizar nesse sentido numa granja que já é altamente eficiente a motivação tem que estar associada a uma facilidade em termos de crédito. Caso contrário diminui muito a motivação para um produtor que já corre tantos riscos.

SI - As demandas de bem-estar animal normalmente partem dos consumidores. O setor já enfrentou críticas com relação à castração dos animais, agora temos o banimento do uso de gaiolas no período de gestação etc. Na opinião do senhor, sob o ponto de vista do bem-estar animal, que novas exigências devem surgir e que tem potencial para impactar o modo como se produzem suínos?

GM - Exigências sempre surgem e o produtor profissional tem que estar preparado para atendê-las. Do ponto de vista de bem-estar animal, o mundo inteiro evoluiu ou está evoluindo escolhendo certos segmentos da produção. No caso começou pela gestação coletiva que foi uma tendência forte de migração para as maternidades também, um novo modelo construtivo. Caso se crie de fato uma normativa, e é um processo que já está em andamento, existem hoje pessoas trabalhando nisso, a dificuldade ou a restrição que o produtor vai enfrentar é o prazo que o serviço oficial vai determinar, ou o agente que for o emissor dessa normativa, para a conversão e a forma de validação disso. Portanto, a cadeia precisa oferecer para o produtor, no caso de uma normativa, mas acompanhada de um horizonte de médio e longo prazos, para a conversão e uma facilidade de acesso a crédito para tal. A exemplo do que foi feito em vários outros países que migraram para essa técnica.

SI - E quanto a novas exigências? Na Europa, por exemplo, a sociedade passou a questionar o corte da cauda dos leitões...

GM - Há diversos casos que são exemplos no mundo. Mas não é simples e possível compararmos as demandas de um consumidor no mercado europeu com a demanda de um consumidor médio no mercado brasileiro. Uma coisa são nichos de mercado e o nicho de mercado não resolve o problema da suinocultura brasileira. Ninguém pode migrar para um sistema de produção de bem-estar animal esperando receber mais pelo produto que vende. Não é esse o caso. Exigências do consumidor médio num País como o nosso, que ainda tem um déficit de consumo, inclusive de carne suína, em determinadas classes, não é ainda uma realidade tão próxima. Não se pode esperar que uma exigência específica em relação a um item específico do bem-estar animal impacte toda a cadeia produtiva. Por outro lado, o advento das redes sociais também aparece como um novo elemento nesse processo. Os produtores estão preocupados para que os consumidores não sejam bombardeados por informações que não correspondam à realidade da produção. Então isso é sim motivo de preocupação e é sim mais do que motivo para o produtor pensar em mudar as instalações da granja dele, pensar em adotar normas básicas de respeito ao bem-estar animal na produção, no manejo com os animais, no trato, nas questões de ambiência, que é uma grande oportunidade de melhoria de bem-estar animal na suinocultura hoje, na questão do controle sanitário dos rebanhos. Tudo isso faz parte de bem-estar animal, não é só instalação ou a gestação coletiva.



Data da Notícia: 03/03/2015
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