Relaxa, a inflação vai cair

Folha de S. Paulo

Com esses versos, Ferreira Gullar inicia o poema "Exercício de Relax", escrito na década de 1980, quando a escalada de preços bateu 1.700% ao ano. O tempo passou, ciclos econômicos se sucederam e a inflação foi controlada.

Em 2015, depois de 12 anos abaixo dos dois dígitos, o IPCA atingiu 10,67% e voltou a estressar a população, com menor poder de compra. Relaxar, como propõe o poeta, começa pela afirmação de um mantra: a inflação cairá em 2016.

Uma avaliação sobre cinco indicadores sustenta a projeção de que, neste ano, o índice de preços cairá 3,6 pontos percentuais e vai desacelerar para 7% -aproximando-se de 6,5%, o teto da meta. Os fundamentos que equilibram o otimismo sobre a corda bamba da recessão são: preços administrados, câmbio, desemprego, preços livres e juro real.

Ao segurar as tarifas de energia elétrica e combustíveis, o governo manteve a inflação de preços administrados artificialmente baixa em 2013 (1,5%) e 2014 (5,3%).

No ano passado, quando o Ministério da Fazenda soltou a mão e o mercado fez os reajustes reprimidos, a inflação de preços regulados explodiu para 18%. Faz sentido, agora, reconhecer que as tarifas foram corrigidas e que a inflação de preços administrados despencará para algo em torno de 7,5%.

Outro grande ajuste feito em 2015 foi no câmbio. Comparado ao dólar, o real teve uma desvalorização de 47%, a maior desde 2003. A moeda americana fechou em R$ 3,90, cotação mais elevada para um fim de ano em duas décadas. Isso encareceu os importados e inflou a inflação.

É altamente provável que a maior parte da correção do câmbio, e do subsequente repasse à inflação, tenha ficado para trás. Pode-se projetar que a desvalorização do real em 2016 será muito menor, por volta de 5%, com cotação de R$ 4,10 no fim do ano para a moeda americana.

Sem esses reajustes excepcionalmente fortes nos preços administrados e no câmbio, a inflação teria permanecido entre 6,4% e 7% em 2015. É o que os economistas chamam de análise contrafactual.

O terceiro indicador (desemprego) deve ser observado com o quarto (preços livres). O enfraquecimento da atividade econômica, com a esperada queda de 3,7% do PIB, destruiu 1,5 milhão de postos formais de trabalho em 2015. Com mais gente desempregada, há redução nos rendimentos, menos dinheiro em circulação e contração no consumo.

A lei da oferta e da procura é implacável: quem não vende abaixa o preço. Por isso, o mercado acredita que a inflação de preços livres cairá de 8,5% para 6,5%.

O quinto fundamento é o juro real (juros menos inflação). Ele está em nível mais elevado que no decorrer do ano passado, o que aumenta a convicção de que a política monetária contribuirá intensamente para a desinflação.

Para segurar os preços, o Banco Central subiu a taxa de juros em dois pontos percentuais em 2015 -a Selic chegou a 14,25%, a maior em nove anos. O juro alto encarece o crédito, que tende a reduzir o consumo e, depois, o IPCA.

A queda da inflação, contudo, não será suficiente para reconstruir a confiança de que o Banco Central fará tudo para levar o IPCA ao centro da meta, 4,5%. Tampouco será o bastante para quebrar a inércia -contaminação da inflação presente pela passada.

A construção da credibilidade e a erosão da inércia exigem uma experiência contínua de IPCA baixo. Um período longo de austeridade moderada é mais eficaz que um surto de austeridade excessiva. Pé direito, meu velho, relaxa, reputação não é conquistada em apenas uma reunião do Copom.



Data da Notícia: 04/02/2016
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