Valor Econômico
Em meio à crise fiscal que espreme o governo federal, o Ministério da Agricultura decidiu antecipar o início das discussões do Plano Safra 2016/17, que entrará em vigor no dia 1º de julho. E uma das prioridades é garantir mais um aumento no volume de recursos que será destinado ao crédito rural a juros subsidiados.
Aposta - Para evitar o constrangimento de divulgar um plano com menos recursos que o anterior pela primeira vez em décadas, a aposta será estimular a demanda por títulos financeiros do agronegócio, uma vez que as principais fontes de recursos do crédito rural (depósitos à vista e poupança rural) estão escassas. Essa estratégia já foi usada no Plano Safra 2015/16, que terminará em 30 de junho, mas até agora não funcionou e passou a ser encarada pelos produtores como um artifício para inflar o total de recursos até os R$ 187,7 bilhões que foram anunciados.
LCA - Em junho do ano passado a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, explicou que, desse total, R$ 30 bilhões seriam gerados a partir das emissões das Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), título que é isento de impostos e tem lastro em operações de crédito rural. O ministério projetou esse montante de recursos com base em uma nova regra, editada pelo governo no dia do lançamento do Plano Safra 2015/16, que obrigou que 50% das LCAs fossem destinadas para alimentar a oferta de crédito. Segundo a regulamentação, em 2016/17 o percentual passará a 100%.
Contratações - Nos oito primeiros meses do ciclo 2015/16 (julho do ano passado a fevereiro último), contudo, a contratação desses recursos atingiu apenas R$ 3,3 bilhões, de acordo com dados do Banco Central. O grande desafio para o Plano Safra 2016/17 é encontrar uma forma de fazer essa demanda "deslanchar", conforme o secretário de Política Agrícola do ministério, André Nassar. E um dos problemas é que os juros das LCAs chegaram a entre 17% e 18% ao ano, acima dos 12% a 13% estimados inicialmente.
Mudanças - Em duas audiências nesta quinta-feira (03/03) no Congresso, Nassar sinalizou que o próximo Plano Safra deverá trazer mudanças na regulamentação tanto das LCAs quanto dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). A ideia é que os CRA sejam indexados ao dólar para atrair investidores estrangeiros. Para o secretário, o CRA é um bom instrumento para financiar a agropecuária no país, pois não envolve risco cambial e tem custo menor que as operações tradicionais de crédito rural. Mas, para isso, é preciso tornar esses títulos mais "atrativos" às empresas e aos produtores. Só que mudanças dependem de projeto de lei ou medida provisória.
Adaptação - Nassar já reconheceu, em outras oportunidades, que a estratégia baseada nas LCAs não funcionou tão bem como se esperava, sobretudo pelas dificuldades que os bancos tiveram em se adaptar a essa nova exigibilidade. Segundo o consultor Ademiro Vian, exdiretor da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o baixo direcionamento desses títulos para operações de crédito rural aconteceu porque os bancos não usaram financiamentos a juros subsidiados como lastro para as contratações de crédito rural. E sim operações a jures livres (recursos próprios das instituições), o que os desobrigou de cumprir a regra dos 50%.
Emissão - "Todos os bancos que não operam com crédito oficial continuam emitindo LCA sem obrigação de reaplicar um centavo no agronegócio. A consequência é que o governo superestimou essa demanda e fez um grande chute", afirma Vian. A saída, portanto, será alterar a lógica a ser usada para direcionar essas LCAs para o crédito agrícola.
Proposta - O Valor apurou que o Ministério da Agricultura estuda propor exigibilidade (percentual obrigatório) também para as LCAs lastreadas em financiamentos a juros livres.
Garantia - Mesmo assim, a ministra Kátia Abreu garantiu nesta quinta que não faltarão recursos para financiar os produtores na safra 2016/17. "O governo sabe que a agricultura não pode sofrer nenhum desgaste ou recesso". Depois da colaboração do setor para evitar uma queda maior do PIB em 2015, Kátia pode ter ganho mais poder de barganha