Valor Econômico
Os efeitos do câmbio desvalorizado aparecerão com mais força em 2014 e ajudarão a indústria a ter um desempenho pouco melhor do que o observado em 2013, ano que fechou com avanço de 1,3% dentro do Produto Interno Bruto (PIB). No cenário traçado por Luiz Martins Melo, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o dólar mais favorável às exportações poderá amenizar, inclusive, as perdas causadas à balança comercial pelo agravamento da crise econômica na Argentina e na Venezuela. "A indústria em 2014 dependerá exclusivamente do câmbio". A economia brasileira, que cresceu 2,3% no ano passado, deverá repetir o ritmo em 2014, na visão do economista.
O mais difícil de prever, de acordo com Melo, será justamente se haverá ou não continuidade na retomada dos investimentos, cuja expansão motivou o desempenho acima do esperado do PIB no quarto trimestre, quando a economia cresceu 0,7%, mais que o 0,3% previsto pelo mercado.
O avanço da taxa de investimento, que passou de 18,2% para 18,4% de 2012 para 2013, dependerá de qual influência predominará entre os investidores: a ajuda do câmbio, estimulando a modernização dos parques fabris para competir internacionalmente, ou o efeito dos juros, elevados na semana passada a 10,75%, inibindo intenções de investimento produtivo.
"A grande incógnita para 2014 é como irá se comportar a taxa de investimento. Com essa elevação dos juros não sei como vai ficar. Tem que ver o que vai pesar mais: o efeito do juro ou o efeito do câmbio", diz o professor da UFRJ.
Para Melo, o desafio para alavancar o crescimento mais robusto da economia brasileira é superar a fase de transição do modelo econômico sem esbarrar no que define como "armadilha do tripé do Plano Real", com juro alto e câmbio valorizado. "Essa escolha entre inflação alta e crescimento do PIB é complicada, porque a âncora do Plano Real é o câmbio", diz. A seguir, trechos da entrevista:
Valor: O crescimento do PIB de 2013 veio acima do que esperava o mercado. Quais boas notícias justificaram esse resultado?
Luiz Martins de Melo: Tem uma boa notícia que já estava presente antes, mas todo mundo estava desconsiderando, que é a formação bruta de capital fixo, que tem crescido acima do consumo, tanto do governo, quanto do consumo das famílias. Isso coloca para o Brasil, ao contrário do que muita gente está dizendo, que nos últimos anos a dinâmica da economia brasileira não foi dada só pelo consumo, mas também pelo investimento. Em 2010, o investimento cresceu 21,3%; em 2011, 4,7%; em 2012 caiu 4% e voltou a crescer agora. De 2003 a 2013, o investimento cresceu 94,1%; o consumo das famílias cresceu 56,9%. E o consumo do governo, 36,6%. Ou seja, o investimento, nos últimos dez anos, cresceu acima do consumo. O problema é a importação que, no mesmo período, cresceu 196,4%, exatamente por causa do câmbio valorizado. O problema do baixo crescimento do PIB é descobrir como vamos fazer a transição do real valorizado para o real desvalorizado sem pressionar muito a inflação. Você não pode elevar muito a taxa de juros, porque tira o dinamismo da economia. A escolha entre inflação alta e crescimento do PIB é complicada, porque a âncora do Plano Real é o câmbio.
Valor: Nos dados do PIB de 2013, o câmbio já aparece como ajuda à economia?
Melo: Não, não aparece. Melhorou um pouco a exportação nos últimos trimestres, mas há uma defasagem. É igual o efeito dos juros sobre a redução da inflação. Provavelmente em 2014 você já vai ter um resultado melhor das exportações, principalmente por causa do câmbio.
Valor: Qual era sua projeção para o PIB do 4º trimestre?
Melo: Expansão de 0,5%. Os dados mostram que a média das expectativas do pessoal do mercado está muito negativa.
Valor: O resultado melhor mudou alguma coisa na perspectiva para 2014?
Melo: Para 2014, acho que teremos o mesmo desempenho do PIB de 2013. O mercado acha que vai ser [crescimento] menor, mas acho que vai ser no mínimo, igual. Esse último dado já representa um carregamento ["carry over"] para 2014 de quase 1%. Para a economia crescer menos de 2%, vai ter que, praticamente, entrar em estagnação.
Valor: No começo de 2014 houve agravamento do cenário internacional, com as turbulências na Argentina e na Venezuela. Como essas novidades entram na sua conta?
Melo: É claro que isso causará em 2014 um impacto de redução das exportações. Mas como o câmbio está mais desvalorizado, é possível que o exportador consiga ganhar outros mercados com a melhoria da taxa de câmbio e amenizar essas perdas.
Valor: Em 2013, o investimento cresceu mais que o consumo, um objetivo que sempre esteve presente no discurso do governo. Os críticos afirmam que o modelo de crescimento por meio do estímulo ao consumo está esgotado. O que aconteceu para o investimento crescer acima do esperado no 4º trimestre?
Melo: Esse resultado surpreendeu, porque os analistas do mercado já estavam formando, a priori, uma expectativa muito negativa. Se você olhasse para trás, a tendência do investimento era que ele teria uma retomada, ou se manteria. Não estou dizendo que ele vai manter o mesmo ritmo em 2014, aí depende de outras coisas. Mas se você tem a perspectiva de que o câmbio vai ficar desvalorizado, e a tendência é ficar próximo a R$ 2,40, as empresas vão investir para tentar ganhar mercado.
Valor: Então essa retomada do investimento já pode ter influência do câmbio?
Melo: Pode haver algum tipo de influência de expectativa de câmbio favorecendo a entrada das exportações e a retomada de mercados antigos. Os exportadores vão ter que se modernizar. No fim do ano passado, houve a influência de alguns investimentos em infraestrutura que já começam a sair do papel. Várias licitações que foram feitas, aeroportos, várias coisas que foram feitas em 2013 e vão continuar em 2014, Copa, Olimpíada.
Valor: Essa retomada do investimento é sustentável para 2014? E em que ritmo?
Melo: Aí vai depender de muita coisa. Uma parte vai ficar para este ano, essa parte de infraestrutura contratada via editais. Tem uma parte que deve desacelerar, como, por exemplo, o investimento em caminhões, que já foi muito forte nos outros anos. A incógnita é como vai ficar o setor de construção civil.
Valor: E a indústria? O câmbio melhorou e ela ainda teve retração no último trimestre. O dólar já ajudou? O juro atrapalhou?
Melo: O câmbio já ajudou a indústria, ainda não de maneira suficiente. A indústria em 2014 dependerá exclusivamente do câmbio. E o juro atrapalhou, claro. O que foi a administração do Plano Real? Sempre foi manter câmbio valorizado. Taxa de juros elevada e câmbio valorizado. Toda vez que você teve uma modificação no câmbio a inflação subiu. A inflação só ficou no centro da meta em dois, três anos, desde 1999. Essa que é uma questão complicada. Temos que pensar como vamos deixar de lado essa armadilha do tripé do Plano Real, sem que tenha um impacto muito grande na inflação.
Valor: Do ponto de vista da indústria, o ideal seria deixar o câmbio desvalorizar mais...
Melo: Isso. E se você reduzir muito o gasto público, você perde toda a melhoria que houve na área social, nas transferências, e vai perder um pouco do investimento em infraestrutura. Então você tem que calibrar o superávit primário para não "matar" uma parte da demanda. Estamos em um período de transição de uma determinada matriz, ou de convenção de política econômica, para passar para uma outra matriz. Como esse ano é eleitoral, provavelmente vai ficar todo mundo em cima do muro. O ano que vem será decisivo.
Valor: Qual a perspectiva para a indústria em 2014?
Melo: Acho que a indústria terá um desempenho pouco melhor que o de 2013, por causa do câmbio. O câmbio que ajudaria seria perto de R$ 3, mas isso não pode ser feito de uma hora para outra. Para mim, a grande incógnita para 2014 é como vai se comportar a taxa de investimento. Atualmente, está próxima de 19%, tendendo a melhorar. Com essa elevação dos juros não sei como vai ficar. Tem que ver o que vai pesar mais: o efeito do juro ou o efeito do câmbio.