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Para tentar evitar a situação crítica deste ano, as cooperativas agroindustriais e o governo de Santa Catarina traçaram um plano para incentivar o plantio de milho e garantir o suprimento.
A iniciativa catarinense, que despertou a atenção em outros Estados do país que também não são autossuficientes em milho, esbarra na resistência de grupos do porte de BRF e JBS. Além disso, a tarefa de convencer os agricultores a se comprometerem a plantar o cereal - em detrimento da soja -, não é tão simples, de acordo com analistas.
"A bem da verdade, este momento um dia chegaria", afirmou o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra. Segundo ele, a proposta do governo catarinense, que já conta com a adesão de importantes cooperativas, é a mais avançada. Mas Rio Grande do Sul e mesmo Minas Gerais já não veem o tema como tabu.
Ainda que incipiente, a aproximação entre agricultores e indústria de carnes sinaliza que a escassez de milho deste ano não é questão apenas conjuntural, embora a quebra da segunda safra de milho, que está em fase de colheita, tenha agravado o quadro e espremido a margem das indústrias de frango.
"Não tem volta. O mundo descobriu que aqui tem milho, e o Brasil terá um papel mais importante no comércio global", disse o analista César de Castro Alves, da consultoria MB Agro. De janeiro a maio, as exportações do país alcançaram 12,2 milhões de toneladas, 136% mais que em igual período de 2015, conforme a Secex/Mdic).
Baseada em um modelo semelhante ao da "integração", que rege a relação entre criadores de animais e a indústria de carnes e pressupõe o recebimento de insumos em troca da produção, a iniciativa catarinense pretende elevar em 100 mil hectares o cultivo em Santa Catarina, dos quais pelo menos 50 mil já na próxima safra (2016/17), que começará a ser semeada no terceiro trimestre.
A tentativa de estimular a produção catarinense ocorre após anos de redução no plantio do cereal. "O Estado já plantou mais de 600 mil hectares de milho há 15 ou 20 anos, mas hoje planta pouco mais de 300 mil", afirmou o secretário de Agricultura de Santa Catarina, Moacir Sopelsa.
Líder na produção brasileira de carne suína e segundo maior em carne de frango, Santa Catarina demanda anualmente cerca de 6 milhões de toneladas de milho, mas sua produção não ultrapassa 3 milhões de toneladas. Assim, o déficit é suprido com as compras em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e também no Paraguai. Nesse cenário, o Estado pretende reduzir essa dependência.
A proposta do governo catarinense, em parceria com a Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado de Santa Catarina (Fecoagro), prevê o fornecimento pela indústria de um pacote de insumos (sementes, adubos e defensivos) aos agricultores que se comprometam a pagar com parte do milho colhido. "Seria uma segurança para os dois lados. Preço garantido para o produtor, e oferta garantida para a indústria", argumentou Sopelsa.
Pela proposta, o agricultor teria que entregar à cooperativa, no contrato amarrado com a indústria, o volume de milho que cobriria seus custos de produção. Nos cálculos da Fecoagro, o custo é estimado em 82 sacas por hectare (incluindo gastos com mão de obra), tomando por base uma produtividade média de 140 sacas. O agricultor ficaria livre para vender as 58 sacas restantes no momento que julgar oportuno.
"A margem de lucro no volume que o produtor entregar à cooperativa [para cumprir o contrato com a indústria] será de no mínimo 25%", explicou Ivan Ramos, diretor-executivo da Fecoagro, ressaltando o trunfo para que a opção pelo milho seja convidativa aos produtores. Nas contas da Fecoagro, o plano acrescentaria 840 mil toneladas à produção de milho em Santa Catarina, quase um terço do que importa atualmente. "E se fosse trazer esse volume do Paraná, o Estado perderia aproximadamente R$ 50 milhões em ICMS", disse.
Para Alves, da MB Agro, não será fácil obter a aceitação dos agricultores. "Será que ele vai se comprometer a ficar travado na mão da indústria se a única coisa que pode na vida é escolher o que vai plantar?", indagou. Incentivador do projeto de Santa Catarina, o presidente da Coopercentral Aurora Alimentos, Mário Lanznaster, reconhece a necessidade de convencer o produtor. "O governo está disponibilizando recursos [vai subsidiar o seguro rural]. Está praticamente certo. Depende da vontade do produtor", disse.
A reticência do agricultor não é o única barreira, avaliou Alves. "No hora em que o preço do milho cair, será que a indústria vai querer ser contracíclica?", disse. Ele ressalvou que, no longo prazo, a indústria terá mesmo que melhorar o planejamento para a aquisição de milho.
Na opinião de Adolfo Fontes, analista do Rabobank, a corrosão do poder de compra de milho por parte da indústria de frango - a relação entre os preços do milho e do frango está em níveis nunca antes vistos - pede "saídas criativas" à indústria. Fontes ponderou, no entanto, que modelos como o de Santa Catarina podem ser mais propícios para as cooperativas. Nas indústrias privadas, argumentou ele, há maior poder de fogo, como importar milho de outras regiões.