IA: Como o Brasil vem se prevenindo contra o vírus que mais preocupa a avicultura mundial

CarneTec

Não basta ser o líder mundial em exportações de frangos e estar entre os maiores produtores, é preciso também ser o líder mundial em prevenção de doenças que podem devastar economicamente os setores do agronegócio. Esse é o caso da avicultura brasileira e sua guerra contra a influenza aviária, um vírus implacável, presente na Ásia, Europa e até na América Latina – mais recentemente no México.

Com muita competência, porém, o país vem se mantendo livre desse inimigo invisível, e até agora inexistente em solo brasileiro. A seguir, saiba mais sobre os esforços do Brasil na área de prevenção e monitoramento contra a gripe aviária com Ariel Mendes, diretor das áreas de Produção e Técnico-Científica da ABPA. Professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) na área de produção de aves e ex-presidente da Associação Latino-Americana de Avicultura (ALA), Mendes concedeu entrevista exclusiva à CarneTec em junho.
O Brasil relatou nos últimos anos dois casos atípicos de BSE, mostrando que a “vaca louca” assombra o mundo até quando não se trata de um caso típico. No mercado mundial de aves, a gripe aviária continua sendo o maior motivo de assombro?
Certamente, porque o vírus da gripe aviária continua circulando em vários países, na Ásia principalmente, alguns casos na Europa e também nas Américas, mais precisamente no México, que enfrenta uma situação bastante preocupante, com vários focos desde o final de 2012. Então, isso acaba preocupando o setor na América Latina e, por isto, temos adotado várias medidas de prevenção nos últimos anos aqui no Brasil. E agora reforçando mais com esses episódios recentes, principalmente na questão da biosseguridade nas granjas.
Temos trabalhado muito forte para que todas as granjas tenham proteção, coloquem telas à prova de pássaros – porque entre os maiores riscos estão as aves migratórias –, além de blindar a água de bebida das aves, com a recomendação de que não se utilizem águas de fontes ou com contato externo, pois esta água pode ter contato com aves silvestres que eventualmente tiveram convívio com aves migratórias. A recomendação é que, se captar água de fontes, que a trate, fazendo uma cloração.

Há também a questão de treinamento: cada estado tem um Gease, um grupo de emergência sanitária (Grupo Especial de Atenção à Suspeita de Enfermidades Emergenciais ou Exóticas), e estes Geases estão ativos. Periodicamente são feitos treinamentos e simulados, porque o importante em um episódio de influenza aviária é primeiro identificar o mais rápido possível, e para este diagnóstico, deve haver gente treinada. Como erradicar o mais rapidamente possível, isto é, conter o foco e erradicar; este é o segredo! Toda a preparação passa um pouco por essa questão de laboratório, de treinamento de pessoal.
E existe uma preocupação com os aeroportos. O Ministério da Agricultura (Mapa), por meio do Sistema de Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro), tem intensificado o trabalho de inspeção de bagagens, para evitar a entrada de alimentos que eventualmente possam conter o vírus, um trabalho intensificado durante o período da Copa do Mundo. Nos principais aeroportos que recebem estrangeiros, como Guarulhos (SP) e Galeão, no Rio de Janeiro, existe todo um direcionamento para aqueles voos que vêm de países de risco, onde praticamente toda a bagagem é passada por escâner, que detecta produto orgânico em seu interior.

Quer dizer que o vírus pode se manter ativo em uma situação como essa?

Sim, ele pode se manter. Então existe uma preocupação grande, principalmente com voos que vêm da Ásia, onde existe o vírus, e também pela cultura de alguns países asiáticos de levar comida, e aí tem muita coisa à base de frango. E uma outra preocupação é com relação às visitas às plantas. Hoje temos um trabalho muito intenso junto ao setor industrial para que não haja visitas ou, se recebê-las, que tenha quarentena. Elaboramos uma carta que serve como recomendação, com todos os detalhes de como deve ser a quarentena. Se ele vem de um país de risco, é praticamente impossível ele visitar uma granja ou um abatedouro, mas de qualquer maneira, tem a possibilidade de ele visitar, se submetendo a quarentena no próprio país de origem, continuando a quarentena aqui no Brasil, entre outras recomendações, porque você precisa ter em mente que a gente não pode proibir pura e simplesmente a entrada de pessoas. Há algumas situações, por exemplo, nas quais existem equipamentos de empresas multinacionais, e precisa vir um técnico para fazer manutenção; um caso em que será necessária a autorização. Então precisamos ter cuidado para que essas pessoas não levem o vírus para dentro da granja.

E existe também uma outra preocupação com relação à avicultura familiar, e nesta o nosso braço não alcança, não chega até lá. Então estamos fazendo um trabalho de conscientização, com folhetos, para que as pessoas tomem cuidado com a presença de estrangeiros, que podem visitar parentes ou conhecidos que tenham galinhas no fundo do quintal, e com isto você pode levar o vírus para uma instalação não industrial, mas que pode gerar um foco em avicultura familiar, o que terá repercussão também – evidentemente não deveria ter pelas regras da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), mas acaba tendo. Os nossos dois últimos episódios de doença de Newcastle foram em avicultura familiar, um em Nova Roma (RS), em uma propriedade onde havia 44 galinhas, e outro em Goiás, em um assentamento (de trabalhadores sem-terra). Embora, teoricamente, não deva ter repercussão, mas na época acabou tendo, alguns mercados acabaram restringindo a importação de carne de frango do Rio Grande do Sul. Isso foi há aproximadamente dez anos. Na avicultura industrial, faz mais de 15 anos que não temos foco algum de Newcastle, que é uma outra doença impeditiva do comércio internacional.

E como anda o programa de compartimentação, de blindagem a determinadas granjas e empresas que poderiam continuar exportando mesmo em caso de surtos no país?

O programa de compartimentação está pronto. A única coisa que está faltando é publicar a normatização na legislação a respeito do compartimento. É possível que o Mapa publique uma consulta pública em breve e, a partir daí, outras empresas já poderão se compartimentar. O programa começou com apenas três empresas, dentro de um projeto piloto da OIE, com o programa na BRF de Lucas do Rio Verde (MT), com frango, um outro projeto da Seara, agora JBS Foods, em Itapiranga (SC), e o terceiro programa é o da Cobb, de material genético, em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. Essas empresas já foram auditadas, foram visitadas duas ou três vezes pelos consultores da OIE, auditadas pelo Ministério da Agricultura, e a partir da publicação da instrução normativa, elas serão novamente auditadas e o programa já estará valendo.
Trabalhamos agora, fora do projeto, para que outras empresas também se compartimentem. Estamos fazendo um trabalho em Santa Catarina, sobretudo por ser um estado diferenciado, que é livre de febre aftosa sem vacinação, com uma concentração geográfica no meio oeste de grandes empresas, e são poucas empresas, de modo que será mais fácil implementar o programa ali. Tanto a secretaria da agricultura catarinense como o setor produtivo estão bem motivados com a implementação do programa. E estamos trabalhando inclusive com a ideia de compartimentar suínos. Nas últimas visitas da OIE, o pessoal de suínos do Mapa já participou das reuniões, então a ideia num segundo momento é estender esse programa para a suinocultura.

Um programa mais antigo de prevenção na avicultura é a regionalização, tal como ocorre com a aftosa para suínos e bovinos. Esse programa continua existindo?

Continua porque entendemos que é importante também o programa da regionalização, uma vez que é uma maneira de forçar o estado a investir mais em defesa sanitária na avicultura. Os estados são auditados periodicamente pelo Mapa, que verifica o pessoal alocado para defesa sanitária, o cumprimento dos programas de monitoria, a carga de treinamentos do pessoal técnico das secretarias de agricultura, a realização de simulados nos estados, o que foi feito em termos de vigilância ativa e passiva para influenza aviária e para doença de Newcastle. E os estados recebem uma classificação A, B, C ou D, de acordo com o seu grau de preparação e de infraestrutura de defesa sanitária. Então, o programa de regionalização e o de compartimentação se complementam. Embora a OIE não reconheça o programa de regionalização para a avicultura, ele é a base para o programa de compartimentação.

Diante do atual quadro de aquisições e fusões na indústria, os cuidados com a sanidade têm sido mantidos?

Sim, os cuidados em alguns casos têm sido até ampliados, porque as empresas têm noção clara do risco que representa um episódio de influenza aviária ou doença de Newcastle. Inclusive o Brasil tem uma situação bastante privilegiada no mundo, pelo fato de sermos um dos grandes países produtores e que nunca teve um caso de influenza aviária. E isso acaba valorizando a indústria avícola no Brasil, este é um fator que se leva em conta quando uma empresa decide se instalar aqui. E a gente percebe isso também internamente: as empresas hoje, na hora de fazer um investimento, um novo projeto, procuram fazê-lo no estado que tenha uma boa estrutura de defesa sanitária. Isso é um dos primeiros pontos do checklist na hora da negociação para a aquisição de uma empresa ou na análise prospectiva para fazer um novo investimento. A estrutura de defesa sanitária do estado e como ele vem trabalhando, se tem legislação ou não – alguns estados possuem legislação para avicultura familiar, outros não –, tudo isto é levado em conta. E quanto mais forte a empresa, mais ela vai trabalhar a questão da sanidade porque conta com mais recursos para investir. E temos percebido que isso tem sido intensificado nesse movimento de aquisições e fusões.

Com o grande número de turistas no país por conta da Copa do Mundo e toda a exposição em torno do evento, o momento é de oportunidade tanto no mercado interno quanto no externo?

Sim, é de oportunidade, inclusive a ABPA elaborou uma campanha específica para a Copa, de promoção das carnes de aves e suína, com distribuição de camisetas, bolas, livros e outros materiais em pontos estratégicos durante o evento. E também toda uma atuação com relação à questão sanitária. Aqui no estado de São Paulo, por exemplo, a secretaria da agricultura criou no ano passado um grupo especial de prevenção a influenza aviária que lançou uma campanha de atuação específica para a Copa, com cartazes, panfletos, para serem distribuídos nos aeroportos aos turistas, nas granjas, para que não recebam visitas, uma campanha que tem todo o nosso apoio. Então são dois focos, um na área de sanidade e outro mais comercial, junto à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), voltado aos visitantes estrangeiros e também a empresários que a Apex convidou para virem à Copa – 2,3 mil empresários estrangeiros que se reunirão no país com empresas brasileiras nos meses de junho e julho.

Em quanto está o consumo per capita de frango no país?

Em torno de 44 kg per capita. A previsão deste ano é que a gente volte aos 45 kg. Estávamos mais animados, mas agora, nesse último mês (maio), houve uma queda no consumo, que a gente não sabe bem a causa ainda, aparentemente está relacionada a uma queda no consumo de um modo geral, as pessoas estão preocupadas com a inflação. Então houve uma pequena diminuição no consumo de carne de frango, de modo que a gente ainda não tenha medido a porcentagem desta queda, mas nas nossas reuniões de mercado interno temos detectado isto. Porque a produção está ajustada, o alojamento está ajustado, o preço da carne bovina está alto, o suíno também, então não tem motivo algum, era para o preço da carne de frango estar um pouco melhor. Achamos que se trata dessa queda no consumo que ocorreu nos últimos dois meses de maneira geral e isto acabou afetando também o consumo de frango.
E bem em um momento em que o mais importante seria agregar valor a este frango.
Há todo um trabalho que temos feito aqui também nesse sentido, de estimular as empresas, principalmente na questão de exportação, para que trabalhem mais com produtos de valor agregado. O nosso consumidor também teve um aumento no poder aquisitivo nos últimos anos, por conta dos programas sociais, então hoje há espaço para se vender um produto com valor agregado maior. Está mudando o perfil do consumidor, cada vez mais as donas de casa estão trabalhando fora, não têm tempo de preparar a comida, essa questão dos pratos prontos, semiprontos, isto ganha espaço e algumas empresas estão indo nesta linha. A BRF acabou de lançar um frango inteiro marinado, pronto para ir ao forno, e cortes também. O consumidor não tem mais tempo de picar o tempero, cortar o frango... Esse fenômeno já aconteceu na Europa, no Japão, nos Estados Unidos, e vai acontecer cada vez mais no Brasil.



Data da Notícia: 03/11/2014
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