Fabiano Coser
Os indicadores econômicos ainda não pararam de piorar, e pouca gente hoje se arrisca a dizer qual o limite dessa crise, já que a cada semana novos fatos políticos e econômicos surgem no cenário nacional. nacional. O que eram índices e expectativas agora é traduzido em desemprego e aumento de preços, ou seja, não precisa ser nenhum especialista para perceber que estamos em crise, basta sair na rua e conversar com as pessoas, ou simplesmente ir fazer uma compra no supermercado da esquina e levar a nota fiscal de três meses atrás. Neste cenário até mesmo o consumo de bens essenciais como os alimentos é colocado sob a lupa da recessão, e é justamente aí que pode estar uma excelente oportunidade para carne suína.O Relatório Focus, resumo da expectativa do mercado publicado todas as segundas-feiras pelo Banco Central do Brasil, é um bom exemplo da total incerteza sobre a economia brasileira, pois além dos indicadores econômicos o boletim também mostra o comportamento das últimas semanas. O relatório do dia 03 de agosto apontava para uma expectativa de inflação (IPCA) de 9,25% para 2015, e indicava que era a 16 ̊ semana de alta no indicador. Já a expectativa de crescimento indicava naquela data para uma retração de 1,80% do Produto Interno Bruto (PIB) e uma taxa de juros (Selic) de 14,25%. Para se ter uma ideia da piora dos indicadores, o primeiro relatório de 2015 (02/01) trazia uma expectativa de inflação de 6,39% e projetava um crescimento de 0,15% do PIB.
Com o acirramento da situação econômica e as inevitáveis consequências sobre o emprego e a renda, a pauta da crise passou a dominar o noticiário diário, cujo efeito psicológico afetou não só a autoestima como também aprofundou a insegurança do consumidor, fazendo ressurgir hábitos como compras mensais no supermercado, compras conjuntas no atacado, marmitas no escritório e pizza em casa. Ou seja, o cidadão não só já sente o impacto direto de uma economia em recessão como também projeta um futuro mais tenebroso pela frente. E na verdade o consumidor talvez seja o último a sentir mais de perto o arrocho, uma vez que a indústria, o comércio e os serviços já vinham desgastados desde o final do ano passado, quando as vendas do natal apresentaram a primeira queda dos últimos cinco anos. Os índices de confiança da indústria, do comércio e dos serviços medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) caíram acentuadamente tanto em junho quanto no primeiro semestre de 2015. Na indústria a queda do índice de confiança nos primeiros seis meses do ano ficou em 19,2%, passando de 84,3 ponttos em dezembro para 68,1 pontos em junho; no comércio a queda foi de 16,3%, de 108,4 pontos para 90,7 pontos no mesmo período; e nos serviços o índice de confiança passou de 101,1 pontos para 80,7 pontos, 20,1% de queda em seis meses.
Os indicadores abaixo de 100 pontos estão no campo negativo. Até mesmo o governo federal, que no primeiro trimestre projetava uma economia em recuperação no final de 2015, já admite que melhora mesmo somente no final do ano que vem, se derem certos os planos do Ministro da Fazenda. O PIB do primeiro trimestre de 2015 caiu 0,2% em relação ao último trimestre de 2014 e 1,6% em relação ao mesmo período do ano passado. A queda só não foi maior porque o PIB da agropecuária cresceu 4,7% no primeiro trimestre, enquanto a indústria teve queda de 0,3%, o setor de serviços caiu 0,7% e o consumo das famílias acumulou perda de 1,5%, a maior queda desde o quarto trimestre de 2008. E é justamente a queda do consumo das famílias que agora está se refletindo também na compra de alimentos. No segmento da proteína animal, mais especificamente no conjunto das carnes, o destaque em termos de aumento dos preços e impacto inflacionário ficou com a carne bovina. De acordo com o IBGE, em 2014 o preço da carne de boi subiu 22,21%, tornando-se a “vilã da inflação” pelo fato de impactar sozinha em 0,55 ponto percentual numa inflação anual de 6,41%, a ponto de virar tema do debate eleitoral, quando o secretário de política econômica do Ministério da Fazenda sugeriu a população comer ovo ou frango para driblar a alta do produto.
A escalada nos preços da arroba do boi gordo iniciou muito antes de 2014, por um motivo bem simples, produzir ficou mais caro. Um dos fatores de impacto no custo de produção do boi foi o aumento da concorrência com a produção de grãos pelas áreas mais nobres, com consequente aumento dos confinamentos, sistema mais caro que o boi a pasto. No primeiro semestre de 2010 a média da arroba do boi gordo de acordo com o indicador ESALQ/BM&F Bovespa foi de R$ 77,78, já no primeiro semestre de 2015 o preço médio foi de R$ 145,89 a arroba, um aumento nominal de 87,56%. Nem o preço do suíno vivo e muito menos o do frango chegam perto disso. Também no atacado o preço das carnes bovina e suína refletem as diferenças do preço do animal vivo e a tendência de aumento da carne vermelha. Em agosto de 2014 o quilo da carcaça suína no mercado de São Paulo era comercializado a R$ 5,40, um ano depois o preço caiu 7,41% e foi vendido a R$ 5,00 o quilo na primeira semana de agosto de 2015. Já o quilo da carcaça bovina em agosto do ano passado era negociado por R$ 7,59 no mercado paulista, e um ano depois não saia por menos de R$ 9,20 o quilo, alta de 21,20%. Contrariamente ao que aconteceu com o preço do quilo vivo e da carcaça suína, que perderam fôlego no último ano, o preço do boi gordo, da carcaça bovina no atacado e do quilo da carne no supermercado tiveram aumento nos últimos 365 dias.
A carne de boi no mundo inteiro sempre custou muito mais que as carnes suína e de frango. No Brasil, pelo menos até cinco anos atrás, o preço da arroba de boi e consequentemente da carne no supermercado, era muito mais próximo do preço da carne suína, ou seja, a carne vermelha era mais barata, tanto é que durante muitos anos foi a carne de maior consumo per capita. Somente nos últimos três ou quatro anos foi que a carne de frango assumiu a dianteira do consumo, justamente pelo seu preço mais barato. É natural que esse movimento também aconteça agora com a carne suína, alinhando o País com a regra mundial, de maior consumo das proteínas mais baratas, suíno e frango.
O alto preço da carne bovina aliado ao agravamento da crise financeira foi pauta para uma série de reportagens, tanto na televisão quanto nos jornais diários, a respeito das mudanças no perfil de compra de carne pelos brasileiros. A maioria das matérias ressaltou a queda no consumo da carne bovina e a troca pela carne suína e de frango, mas também foi destaque poucas semanas atrás a deflação de 3,26% no preço da carne suína no primeiro semestre de 2015 e a diferença entre os preços da carne de boi e a de frango, que atingiu o maior patamar em 11 anos. A diferença de preço entre as três opções de proteína animal já é notada pelo consumidor no momento da compra, com a carne de frango sendo ainda o grande destaque de opção saudável e barata. No entanto, esta percepção também começa a ganhar força na comparação entre as carnes de boi e suína, e por um motivo que parece ser muito simples, o consumidor tem encontrado mais opções de cortes suínos à sua disposição na gôndola do supermercado e melhores informações a respeito dos mitos e preconceitos que pairam sobre o produto. Pouco mais de cinco anos atrás encontrar um corte de carne suína porcionado e bem apresentado era coisa rara. Não por acaso todo o trabalho de incentivo ao consumo feito pela Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS) foi apoiado no binômio treinamento e divulgação. Treinamento para os açougueiros, para cortar, embalar e apresentar a carne de maneira mais adequada às novas demandas dos consumidores; e divulgação para esclarecer e ensinar o brasileiro sobre os benefícios e os modos de preparo da carne suína. Mesmo assim, ainda hoje encontramos grandes redes de supermercado que trabalham com poucas opções de cortes ou mesmo apenas com carne suína congelada e temperada.
Este continua a ser o principal desafio da cadeia produtiva da carne suína brasileira, desenvolver o mercado nacional. A oportunidade nunca foi tão clara. Os preços da carne suína cada vez mais se destacam como oportunidade no momento da compra; os caminhos para difusão do conhecimento, capacitação e treinamento das redes de varejo já foram suficientemente testados; os produtores já perceberam que o trabalho tem reflexo direto no mercado; a indústria já se conscientizou das dificuldades de acesso e do limitado potencial do mercado internacional; e os consumidores estão propensos a mudanças. No entanto, para aproveitar esta oportunidade ainda falta um passo fundamental, a reunião de recursos de toda a cadeia de produção em um grande fundo em prol do desenvolvimento setorial. Não se chega às massas sem uma mídia de massa, sem a televisão e o rádio, os grandes jornais e revistas, enfim sem popularizar o assunto. Não precisamos reinventar a roda, basta copiar o que já fizeram com sucesso países como Estados Unidos, França e Espanha, que vertem grandes somas de dinheiro para o desenvolvimento do setor. A oportunidade está dada, vamos agarrá-la.