Busca por frangos com mais peito cria um duro dilema para a indústria

The Wall Street Journal

Na tentativa de criar frangos de corte cada vez maiores para atender a crescente demanda por carne branca, a indústria de alimentos se deparou com um problema inesperado.

Produzir um animal grande o suficiente não foi complicado: o setor conseguiu chegar a um tipo de frango cujo peito pode pesar hoje mais que a ave toda pesava há poucas décadas. Mas um número cada vez maior desses peitos está carregado de fibras, que endurecem a carne e prejudicam sua textura, um problema conhecido como "woody breast", ou peito amadeirado.

"Ela é mais dura e mais elástica, então você tem que usar mais energia para mastigar esse tipo de carne", diz Massimiliano Petracci, técnico de alimentação da Universidade de Bolonha, na Itália, que diz que o problema também apareceu no Brasil, Espanha, Reino Unido e outros países. Ele diz ainda que cerca de 5% a 10% da carne de peito desossada vendida no mundo é afetada e que ela também tem "consistência de borracha".

Os efeitos do endurecimento do peito de frango podem ser tão sutis que passam despercebidos pelas donas de casa. Sua causa é desconhecida, mas Petracci e outros pesquisadores dizem que várias décadas de cruzamentos para criar aves maiores e de crescimento rápido podem ser um fator.

"Não é apenas o peso final, mas também a rapidez com que elas ganham peso", diz Sacit F. Bilgili, professor emérito de ciência das aves da Universidade Auburn que tem estudado essas anormalidades nos músculos do frango por mais de cinco anos.

Nos últimos 50 anos, o peso médio do frango nos Estados Unidos praticamente dobrou enquanto o tempo de engorda até o abate caiu pela metade. Em 1965, uma ave de 1,6 quilo levava 63 dias para chegar ao mercado. Em 2015, a ave média pesava 2,8 quilos em 48 dias, embora muitas empresas estejam agora criando superfrangos com mais de 4,5 quilos, segundo a Agri Stats Inc. e o Conselho Nacional do Frango, entidade setorial dos EUA.

Para processadores de carne de frango como as americanas Sanderson Farms Inc., Perdue Farms Inc. e outros, o endurecimento do peito de frango é uma das várias doenças musculares que surgiram nos últimos anos. Isso em meio a um aumento da exigência dos consumidores de que os animais sejam criados com mais bem-estar e com menos antibióticos e outros remédios.

Analistas do setor dizem que o problema vai acabar afetando a receita dos produtores se o peito do frango tiver que ser vendido com grandes descontos ou se os consumidores exigirem que as empresas criem aves menores.

Brett Hundley, analista do banco americano de investimentos BB&T Capital Markets, diz que embora hoje seja mais lucrativo vender uma ave maior que produza mais carne, poderá haver uma queda nesse lucro no futuro.

"Será que vale a pena produzir mais quilos de carne e perder negócios porque o cliente não quer mais a carne do peito de frango amadeirada?", pergunta Hundley. Ele acrescenta que não acha que, por ora, o efeito no lucro das empresas seja grande o suficiente para ser quantificado.

O diretor financeiro da Sanderson Farms, Mike Cockrell, diz que a empresa descobriu o problema por meio de queixas de restaurantes e varejistas há cerca de um ano. Ele diz que a empresa agora tem empregados nas fábricas de processamento para checar cada pedaço de peito de frango desossado e sem pele em busca de carne endurecida, embora o custo para lidar com esse problema seja imaterial.

"Parece minha coxa quando eu tenho câimbra jogando tênis, há um nódulo na carne", diz Cockrell. "Eu acredito que provavelmente todos nós já comemos frango com peito amadeirado em algum momento."

Se encontrada, a carne afetada é retirada da linha de processamento, vendida com desconto e então moída para fabricação de alimentos como salsicha de frango, diz Cockrell. Esse tipo de problema agora é encontrado em menos de 5% da oferta de peito de frango desossado nas fábricas da Sanderson, diz ele.

"Estamos administrando essa questão junto com todas as empresas que produzem os frangos maiores", diz Alan Sterling, porta-voz da Wayne Farms. "O problema é esporádico, a causa específica é desconhecida e impacta um pequeno percentual das aves."

No Brasil, o peito amadeirado foi detectado há cerca de cinco anos pela própria indústria e pela inspeção do Ministério da Agricultura, diz Ariel Mendes, diretor técnico da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). "A doença muda a cor e a textura da carne e, então, a própria indústria deu um novo uso para ela porque não servia para vender como filé. O Brasil e os EUA são grandes consumidores de filé de peito, o que não é comum em outros países."

O peito amadeirado de frango é similar a outros problemas que o setor tem enfrentado, como a estriação branca, na qual linhas paralelas de gordura aparecem nos filés de frango. A "doença do músculo verde", que provoca descoloração devido a hemorragias nos músculos, também tem sido detectada mais frequentemente no peito de peru e de frango. A carne afetada não coloca as pessoas em risco, mas não é vendida, dizem os pesquisadores.

Processadores de frango do mundo todo primariamente usam linhagens de aves fornecidas por três empresas, a Aviagen Inc., Cobb-Vantress Inc. e Hubbard, divisão do Groupe Grimaud, da França, que enfatizam características similares, como quanta carne de peito a ave rende.

O problema só é detectável depois que a ave é abatida, dividida e desossada, dizem pesquisadores e empresas. Não está claro se as aves estão chegando ao limite biológico dos genes de crescimento rápido ou se questões como nutrição ou a forma como elas são criadas estão provocando as doenças, dizem cientistas.
Tanto a Aviagen quanto a Hubbard reconhecem o problema e afirmam estar fazendo estudos genéticos para resolvê-lo. A Cobb- Vantress não comentou.

O Brasil é o principal exportador mundial de carne de frango, com vendas de 4,3 milhões de toneladas em 2015, segundo dados da ABPA e do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). Está à frente dos EUA, que no período exportou 2,9 milhões, e da União Europeia, que vendeu 1,15 milhão de tonelada.

Amaryllis Romano, economista- sócia da Tendências Consultoria especializada em alimentos, diz que grande parte das exportações brasileiras é de cortes menos nobres, não de peito de frango, o que deve minimizar o efeito que o peito amadeirado possa ter sobre o comércio exterior. "Cerca de 19% das exportações foram para a Arábia Saudita em 2015, 10% para o Japão, 7,3% para a China e 5,6% para os Emirados Árabes", países que preferem outros cortes, diz ela. Além disso, a indústria de frango é muito direcionada pelo consumidor e pode mudar rapidamente com o surgimento de novas demandas. "Se houver uma rejeição ao superfrango, o setor pode voltar a produzir frangos menores de forma rápida."



Data da Notícia: 29/03/2016
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