Guia Marítimo
Há um ditado bastante cruel que diz que, quando mergulhado em água fervente, o sapo pula rápido para fora, mas se a temperatura for subindo lentamente, ele morre cozido. A mensagem seria que, para gerar uma reação, é necessário haver um choque. Em 2009, uma série de empresas teve de encarar o risco de serem varridas do mercado, ao ponto de alguns comentaristas referirem-se a elas como “zumbis”, porém pularam rapidamente (ou quase) com uma série de táticas que acabaram salvando-as da extinção. Agora que o mercado está soprando para mais um período de escassez, a questão é saber se essas empresas empregarão ações como as da crise anterior, ou vão simplesmente cozinhar na panela.
Conforme amplamente mencionado em artigos setoriais, a situação do mercado atual tem certa similaridade com a crise de 2008/2009: demissões de pessoal, fretes exageradamente baixos e o rápido crescimento da frota ociosa.
Não é fácil imaginar quais são as ações previstas pelos transportadores, principalmente porque elas vão depender do quanto o cenário ainda vai se agravar, e qual a sua capacidade de absorção do impacto. No entanto, vale a pena examinar as semelhanças entre aquele período e a crise atual, com vistas à saúde financeira relativa.
Quais as semelhanças entre 2009 e 2015?
De acordo com o estudo da Drewry Maritime Research, em 2009, o retorno financeiro médio por Teu registrou queda de 27% em relação ao ano anterior, enquanto, neste ano, a queda foi de 9% no período acumulado nos três primeiros trimestres – embora, em dólar, a queda tenha sido semelhante à de 2009. Em ambos os anos, a capacidade oferecida pela frota disponível no mercado ficou excedente, 6% acima da demanda em 2009, contra 8% em 2015. Os prejuízos reportados pela indústria em 2009 chegaram a quase 20 bilhões, enquanto, em 2015, embora as margens estejam deteriorando rapidamente, a maioria dos players ainda vai conseguir terminar o ano no azul, um cenário muito melhor do que o da crise anterior. O mesmo aconteceu com os custos de combustível, que caíram para um quarto do valor na crise anterior, e, nesta, chegaram à metade.
Em linhas gerais, a recessão de 2009 resultou do impacto sofrido pela indústria após uma crise financeira, que viu a demanda de serviços despencar cerca de 9% – um índice sem precedentes. A situação se agravou no momento em que o transportador, desesperado para se agarrar aos seus carregamentos cada vez menores, precipitou-se ao oferecer preços não compensatórios, o que levou a indústria a drenar suas reservas muito rapidamente e beirar o abismo.
A consequente crise de liquidez então forçou os armadores a tomar medidas desesperadas. A primeira delas foi aumentar tráfego lento de navios (slow steaming), porém era preciso fazer mais para atender à queda vertiginosa da demanda, o que acabou levando as empresas a dispensar navios charter, estacionar alguns de frota própria e redirecionar rotas.
Mesmo com essas medidas restringentes, algumas das linhas ainda precisaram recorrer a acionistas, governo e novos investidores para suporte financeiro, bem como a renegociações com bancos, estaleiros e empresas de charter, numa iniciativa para conter o dreno de caixa que incluiu até a venda de alguns ativos, como navios, terminais e unidades fora do escopo principal das atividades das empresas.
As medidas de redirecionamento da demanda, aliadas às táticas para geração de caixa, ganharam tempo para as empresas, que conseguiram chegar com certo fôlego a 2010, quando o mercado voltou quase tão rapidamente quanto havia desaparecido – o que, se não tivesse acontecido, teria causado o desaparecimento de uma lista enorme de empresas “zumbi”.
O choque de 2009 também levou as empresas a aderirem aos princípios de gerenciamento sob demanda e se agarrarem à participação de mercado com mais atitude. Depois de um ano recorde em lucros registrados em 2010, no entanto, as atividades foram restabelecidas e algumas empresas caíram novamente no vermelho em 2011. A aparente memória curta do transportador, e sua tendência a se agarrar à lucratividade, sugerem que, tal como a metáfora do sapo, talvez eles estejam esperando a situação chegar a um ponto ainda mais crítico antes de tomar uma atitude.
Por pior que esteja o mercado atualmente, as coisas ainda nem chegaram aos patamares de 2009, o que significa que o transportador ainda vai continuar a contornar a situação com ajustes de curto prazo, tais como escalonamento de viagens para melhorar uma ou outra situação. O número crescente de navios ociosos, no entanto, sugere que a preocupação está presente no mercado, porém ela somente vai gerar atitude se o quadro se equiparar ao de 2009 – o que é bem difícil.
Muito tem sido feito na tentativa de equilibrar o balanço das empresas, com alguns resultados positivos, como a média de 3% de lucro no acumulado dos três primeiros trimestres de 2015, entre os principais players, no entanto os números ainda se mantêm significativamente abaixo dos parâmetros anteriores à crise de 2009. Isso significa que o mercado dispõe hoje de muito menos reservas para encarar mais uma tempestade da mesma magnitude.
De acordo com o Drewry Maritime Institute, o transportador está repetindo alguns dos erros que já os mergulharam em água fervente em 2009, mas a boa notícia é que o mercado não está diante de uma crise na mesma escala que a daquela época, e a situação financeira das empresas ainda está em melhores condições para sobreviver às intempéries.